sexta-feira, novembro 30, 2007

O Informante

Em uma dada cena, nos minutos finais dos 160min de duração do excelente filme O Informante (Michael Mann, EUA, 1999), o cientista Jeffrey Wigand, interpretado por Russel Crowe em seu melhor papel, diz para o jornalista Lowell Bergman (Al Pacino): “O mundo precisa de pessoas como você”. Realmente. Se em um grupo de dez jornalistas, pelo menos quatro fosse como Bergman, certamente, o jornalismo seria melhor e cumpriria a sua função social. Tudo isso, porque além de um jornalismo investigativo bem-feito, ele ainda se preocupa com a segurança de sua fonte e é capaz de brigar com os interesses coorporativos de uma empresa jornalística em favor da ética e do dever social necessários à produção jornalística.

Lowell Bergman é produtor do 60 minutos, um programa de entrevistas exibido pela CBS. Ele produziu matérias de todo o tipo, inclusive, uma sobre o grupo terrorista Hezbollah. Certo dia, após receber um dossiê sobre incêndios provocados por cigarros, procura o cientista químico Jeffrey Wigand, recém demitido da indústria de cigarro “Brown and Willianson”, para ajudá-lo na análise do material. A relação entre os dois acaba fazendo com que Bergman descubra que Wigand é uma fonte capaz de divulgar informações importantes contra a produção de cigarro. Wigand acabara de ser demitido por não concordar com a potencialização da nicotina na fabricação do cigarro, atitude que aumentaria também as chances do fumante desenvolver câncer de pulmão.

A partir daí, o espectador tem uma aula jornalista investigativo em que relevantes questões éticas são colocadas em discussão. Ele deve convencer Wigand a contar o que sabe. O grande embate, porém, é que o ex-empregado da indústria assinou um contrato de confidencialidade que o proibia de pronunciar qualquer coisa referente ao que ele sabia sobre o produto, sob pena de perder todo o seguro-desemprego e o plano de saúde que garantiria o tratamento de sua filha, portadora de asma. Wigand e sua família são constantemente ameaçados pela “Brown and Willianson”. Devido a isso, os dois adotam uma postura reticente. Por medo, Wigand não quer falar e Bergman recomenda que ele só fale se realmente estiver seguro.

A situação, no entanto, muda. Os dois criam uma forte relação de amizade, o que é questionável já que segundo as normas do jornalismo, o repórter deve se manter neutro em relação à fonte, para que esta última não interfira no resultado da matéria. Entretanto, logo se verá que essa relação será imprescindível a história. Bergman, diante de uma boa matéria para o programa e invadido por uma sede de justiça comum a alguns jornalistas, arranja uma forma para Wigand denunciar a empresa, enquanto este, após criar uma relação de confiança com Bergman decide falar, tendo em vista que ele poderia se livrar da culpa de se considerar responsável pelos milhões de pessoas que fumam aquele cigarro. Se não houvesse a segurança em relação a Bergman, Wigand, certamente, não falaria.

Com o auxílio dos diretores da CBS, que viam a oportunidade da repercussão da matéria e altos índices de audiência, Bergman consegue proteção oficial a Wigand. O programa, enfim, é gravado e Wigand denuncia em sessão no tribunal a “Brown and Willianson”. Entretanto, dias antes do programa ir ao ar, interesses empresariais obrigam o 60 minutos a não divulgar a entrevista com “O Informante”. A CBS estava prestes a ser comprada por uma outra empresa, e se a entrevista fosse ao ar, a “Brown and Willianson” entraria na justiça, alegando que o que Bergman fez foi uma interferência ilícita, abrigando Wigand a quebrar contrato. Tal fato além de mostrar a realidade, ressalta o embate entre jornalismo e interesses econômicos da empresa jornalística, ou seja, os interesses coorporativos podem acabar interferindo na credibilidade e compromisso social necessários ao jornalismo. O apresentador do programa, o prepotente Mike Wallace (Christopher Plummer), por medo de perder o emprego, compartilha da decisão da empresa, ao contrário de Bergman que fará de tudo para levar o programa ao ar. A matéria acaba, primeiramente, indo ao ar sem mostrar o rosto de Wigand.

Em um gesto louvável que demonstra sua ética, Bergman procura a equipe o “The New York Times” e relata os motivos do corte. Ele, no entanto, quebra o sigilo de informações da fonte ao transmitir à equipe do “Times” o conteúdo da entrevista. Diante, dos objetivos disso e da omissão da CBS em preservar seus interesses comerciais, a atitude de Bergman acaba, porém, se tornando irrelevante e torna-se desnecessária qualquer discussão eminente sobre o assunto. Como o “Times” dá destaque de capa à notícia, a diretoria da CBS decide pela transmissão na íntegra da entrevista. O programa ganha em audiência de todas as emissoras e junto com todo esse filme surge a grande indagação se existem jornalistas que capazes de arriscar suas vidas para garantir o acesso do público às informações de interesses públicos controversos e que não utilizem suas fontes apenas como objeto, mas antes de tudo, respeitem-nas.

segunda-feira, novembro 19, 2007

São Paulo S/A

São Paulo, década de 60. O Brasil vive um momento de euforia desenvolvimentista provocado pela vinda de indústrias automobilísticas em meados dos anos 50. Em meio a esse cenário, vive, ou "sobrevive" o jovem Carlos, intepretado pelo ator Walmor Chagas. É esse o ponto de partida de São Paulo S/A (1965), do cineasta paulista Luís Sérgio Person. Carlos é exemplo de um rapaz típico da classe média paulista da década de 60. Trabalha em uma indústria automobílistica, é casado e tem um filho. Seria uma pessoa feliz, se o filme não se tratasse - justamente - dos dramas internos dos protagonista. Ao contrário de um filme que aborde o exterior dos personagens, São Paulo S/A é um filme intimista. L.S Person preferiu criar um filme baseado nos conflitos internos do protagonista e assim fazer uma crítica ao conformismo da classe média paulista da época, que procurava a todo se encaixar aos padrões trazidos com a modernidade recém-chegada ao país a partir do desenvolvimento industrial. Ter uma família sólida, bem constituída, um bom emprego capaz de satisfazer os anseios consumistas firmavam-se como os desejos primordiais do indivíduo. A exemplo daquilo que o filósofo Peter Pál Pelbart em seu texto Vida Nuna, vida besta, uma vida chama de vida besta, na qual o homem está disposto a fazer de tudo para se encaixar em certos padrôes hegemônicos, e passa-se a se controlar, até se enquadrar naquele padrão dito como o certo, Carlos apenas sobrevive, é um simples produto do meio no qual está inserido. Ele nunca amou sua esposa Luciana (Eva Wilma) e se casou com ela por insistência. Ele também vive sufocado pelo trabalho. Enfim, Carlos sobrevive, porque nunca viveu de verdade, não foi corajoso o suficiente para romper com a imposição de uma sociedade tradicional e fazer aquilo que realmente gostaria. Dizem que L.S depois afirmou que Carlos na verdade era homossexual, daí um dos motivos de seu aprisionamento.


Para criar esse drama psicológico, onde a exterioridade parece exercer uma certa pressão no âmago do personagem, o diretor rompe com a ordem cronológica linear, padrão criado por Griffith e que foi absorvido pelo cinema americano, e monta um filme baseado no tempo psicológico do protagonista. Dessa forma, se é a "montagem" que cria a realidade fílmica", como afirmou Lúcia Santaella em Por uma epistemologia das imagens, ao escrever sobre a linguagem própria dos dispositivos tecnológico, no qual o cinema está inserido, o diretor optou por criar uma narrativa que retrasse os conflitos internos de Carlos. Os acontecimentos são mostrados ao espectador de acordo com as lembranças do protagonista e entremeados por seus devaneios e dramas. Ao final, São Paulo S/A acaba fazendo uma crítica à uma sociedade em que os indivíduos abdicam de seus verdadeiros desejos internos, para se mostrar perante aos outros.

 
Creative Commons License
Estrela Torta by Juliana Semedo is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Compartilhamento pela mesma Licença 2.5 Brasil License
BlogBlogs.Com.Br