segunda-feira, agosto 23, 2010

Doméstica, o filme - Parte 1

Começo a postagem do trabalho feito para a disciplina Cinema e História, do Curso de Especialização em História da Cultura e da Arte.

1. Apresentação

- Eu queria sumir, desaparecer. Ficar invisível.

- Invisível você já é mano, só você que não percebeu ainda.

(Trecho extraído de Domésticas - o filme)


É com esse pequeno trecho que inicio a análise do longa-metragem “Domésticas”, um dos filmes, na minha opinião, mais sensíveis do cinema brasileiro contemporâneo. Talvez, este seja o diálogo que melhor sintetize a temática explorada pela obra dirigida por Fernando Meirelles (em parceria com Nando Olival) e baseado em uma peça de teatro realizada pela bailarina e atriz Renata Melo (No filme, ela foi co-roteirista e atuou com a empregada Cida).

“Domésticas” é mais uma abordagem cinematográfica centrada na invisibilidade social de personagens que habitam os grandes centros urbanos. Assim como em “Pixote” (1981), “Cronicamente Inviável” (2000) ou “Carandiru” (2003), o filme expõe as mazelas de um país marcado pela injustiça social. Entretanto, no longa, a criança marginalizada, a burguesia hipócrita e os presidiários cedem lugar a um universo até então não retratado pelo cinema brasileiro: o das empregadas domésticas. Além disso, o caráter dramático e a estetização da miséria, presentes nos três exemplos anteriores, sobretudo em “Cronicamente Inviável”, de Sérgio Bianchi, são substituídos pela leveza do tom humorístico - em alguns momentos, beira o tragicômico - de um roteiro extremamente bem construído. A qualidade dos diálogos foi resultado de um trabalho de três anos de pesquisa, no qual Renata procurou se aproximar da realidade das empregadas domésticas realizando várias entrevistas. O resultado da adaptação do roteiro da peça para o cinema foi bem peculiar, como explicou Fernando Meirelles.


A Renata para fazer a peça entrevistou duzentas domésticas durante três anos, tinha um bolo dessa altura mais ou menos de papel, entrevistas transcritas, grampeadinhas, duas páginas, quatro páginas. Pegamos aquele bolo e separamos: aqui as domésticas que falam dos namorados, essas falam da família, essas são tristes, as que se deram mal... Enfim, fizemos um mix, acabamos escolhendo um bolinho de textos, e para cada grupo de textos com depoimentos de personalidades parecidas demos o nome de uma doméstica: essa aqui vai se chamar... Eram os textos básicos. A partir disso a gente criou uma tramazinha, para pode usar aquelas falas. Algumas falas eram contínuas, depoimentos, assim, para gravador. A gente transformou em diálogo. O processo foi basicamente esse, assim, cinco bolinhos, cinco nomes e uma trama para conseguir usar essa e aquela fala... É um processo meio maluco, não é? Nós tínhamos falas boas e criamos uma história para poder usar aquelas falas. O filme inteiro foi feito a partir daqueles depoimentos, com pouca interferência nossa. O resultado que conseguimos é diferente da peça. (MEIRELLES, 2003, p. 133-134)


Dessa forma, tendo como cenário a grande e desorganizada São Paulo contemporânea, somos apresentados às personagens centrais: Quitéria, Raimunda, Cida, Roxane, Créo e Zefa, seis empregadas domésticas que carregam consigo sonhos e frustrações. Tais personagens estão presentes nos lares brasileiros e, na maioria das vezes, são tratadas com descaso.

São seis envolventes histórias independentes entre si, mas que se entrelaçam de forma sutil, ou mais expressiva, ao longo do filme. Quitéria é o estereótipo da empregada desastrada. Raimunda é romântica e sonha em se casar, enquanto Cida vive um casamento tedioso e quer um marido melhor. Roxane quer ser modelo, Créo acredita que tem por missão na Terra servir a Deus e à sua patroa e, Zefa, é a velha empregada dedicada. Histórias paralelas como a de dois motoboys, motoristas de ônibus e entregadores de pizza também se cruzam ao longo da narrativa e ajudam a compor o mosaico de um Brasil, na maioria das vezes, esquecido. Através dessas histórias individuais, o filme acaba explorando um fato extremamente corriqueiro, que é quando a periferia transpõe as barreiras do apartheid e penetra nos ambientes nobres da maneira aceita socialmente, ou seja, através do trabalho.


 
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