Sinédoque, Nova York
Sinédoque, Nova York é um filme extremamente denso, bastante angustiante e, seguramente, leva alguns dias para que o espectador comece digerí-lo, tamanha a complexidade dos questionamentos abordados. Da mesma forma como os outros roteiros que consagraram Charlie Kaufman, Sinédoque, Nova York representa um mergulho profundo na psíque de um personagem - mais uma vez podemos encará-lo como o alter-ego do diretor-roteirista - deslocado do mundo que o cerca.
Se realizado por diretores como Michel Gondry (Brilho Eterno de uma mente sem lembranças) ou Spike Jonze (Adaptação e Eu quero ser Jonh Malkovich) Sinédoque, Nova York teria uma abordagem um pouco mais sútil do que a explorada por Kaufman, em alguns momentos bastante deprimente. Certamente, procurariam equilibrar os problemas existencias do personagem central com uma estética mais ousada, o que o roteirista, na sua estreia como diretor, não o fez. Entretanto, talvez, eles não conseguissem captar toda a frustração e todo o questionamento em relação a temas como os relacionamentos familiares, relacionamentos amorosos e a morte de forma tão intensa e complexa como fez Kaufman. Se por um lado a intimidade do diretor com o roteiro se destaca como a grande virtude, por um outro, pode não funcionar, fazendo com que o filme se torne pesado demais. Falta à Kaufman a leveza com que Woody Allen aborda temáticas semelhantes.
Se em Adaptação, tínhamos Charlie Kaufmam (interpretado por Nicolas Cage) lutando contra o bloqueio criativo, sua baixa estima e suas frustrações sexuais, em Sinédoque, Nova York, temos Caden Cotard (Philip Seymour-Hoffman), um roteirista de teatro, lutando para escrever uma peça que seja a representação de sua vida e das pessoas que o cercam. É aí que chegamos ao significado de Sinédoque. Segundo o dicionário Houaiss, sinédoque é uma metonímia ("figura retórica que consiste no uso de uma palavra fora do seu contexto semântico normal, por ter uma significação que tenha relação objetiva, de contiguidade, material ou conceitual, com o conteúdo ou o referente ocasionalmente pensado"). Os exemplos mais comuns são a substituição da parte pelo todo, o gênero pela espécie e o singular pelo plural. No caso, o protagonista toma a representação da vida pela própria vida.Caden, em certos momentos, acredita que essa peça dará conta de trazer todas as respostas para seus questionamentos, o que, é óbvio, não vai acontecer. Muito pelo contrário, há um aumento progressivo da toda a inquietude frente às questões existenciais e, conseqüentemente, de toda a frutração por não conseguir abarcar todo o seu universo dentro daquela peça teatro em construção. O projeto, magalomaníaco, se transforma em algo cada vez mais ousado e se arrasta pelos 20 anos seguintes (alguém se lembrou de Axl Rose e seu Chinese Democracy?). Atores que interpretavam pessoas reais, ganham suas próprias represetações em um ciclo infinito. A internalização é tamanha, que questionamentos iniciais dão origem a novos questionamentos ,e somos conduzidos a um labirinto infinito recheado de questões que - óbvio - nunca serão solucionadas. Assim, aumenta a cada dia a distância entre o que Caden deseja e como, de fato, as coisas são. Algo como aquele dito comum no qual a felicidade é proporcional a ignorância. Quanto mais os questionamentos aumentam, menos Caden conseguia se relacionar com as pessoas à sua volta, e mais frutrado e entendiado perante à realidade ele se tornava.
Se para alguns "esse mergulho nas questões existenciais" funcionou de forma brilhante, Sinédoque, Nova, York me deixou bastante incomodada. Não que eu seja daquelas pessoas que não gostem de questionar. Muito pelo contrário, em alguns momentos eu me identificava bastante com Caden Cotard. O grande problema a meu ver foi o pessimismo carrancudo de Kaufman, que produziu uma história pesada demais. Quando as frustrações são tratadas com ironia e humor, os problemas ficam mais visíveis. É por isso que Woody Allen é foda!
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