domingo, setembro 10, 2006

Literatura


...O Rei de Havana

A impressão inicial que tive do livro “O Rei de Havana” do escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez foi de uma história que parecia pecar por seu exagero. Excesso de sordidez e brutalidade logo na abertura ao narrar a morte repugnante da mãe e do irmão do personagem do anti-herói Reynaldo ou o Rei de Havana. Excesso de sexo, excesso de miséria, excesso de passagens que descreviam a decadência da capital cubana. Enfim, uma podridão só. Pedro Gutiérrez parecia aos poucos, querer destruir a imagem que fazia de Cuba. E eu fazia um esforço gigantesco para não querer acreditar naquilo tudo. Preferia ser defensora da tese de que apesar da falta de liberdade imposta pelo regime ditatorial de Fidel Castro, as pessoas ainda viviam com um mínimo de dignidade e todas as crianças e adolescentes se não já eram, estavam sendo alfabetizados. Mas não, o olhar observador do narrador conseguiu desmistificar essa crença.
O mesmo ocorreu com a história em si. Primeiro, achei simples demais o enfoque dado pela narrativa: um homem que utiliza de suas vantagens sexuais como forma de sobrevivência. Tudo isso no meio de muito álcool e muita sujeira, tanto física como moral. Bastante semelhante aos contos de um dos expoentes da geração beat: Charles Bukowski. Porém, o desenrolar da história revela um protagonista que representa toda a degradação moral, principalmente, e física dos cubanos, sendo ela, decorrente da miséria e desamparo social que essas pessoas são obrigadas a viver. Desprovido de qualquer oportunidade na vida, sem educação e conhecimentos de moral assistimos, aos poucos, a deterioração de Reynaldo que acaba culminando em dos finais mais tristes e chocantes de tudo aquilo que a literatura já produziu. Carregada de intertextualidade, a frase capaz de sintetizar melhor toda essa desagregação, seja ela de origem física ou moral é esta: “Não vinham do pó e ao pó regressariam. Não. Vinham da merda. E na merda continuariam”.
O talento de Pedro Juan Gutiérrez se revela não somente pelo caráter político com forte apelo de denúncia social que o livro mostra, mas também por uma linguagem descritiva e simples conseguida graças a sua habilidade como observador. Isso acaba tornando “O rei de havana” um livro de fácil alcance. E se alguém o classificar como pornográfico demais, que fique claro que isso cumpre uma função, além de representar uma característica própria dos escritores latinos.
Ao final, o livro ganha por não ser um relato feito a partir de visões deturpadas sejam elas de jornalistas, americanos ou autoridades cubanas, mas de alguém que convive com a realidade. Se exagerado ou não, é aquilo que mais se aproxima da realidade.

O Rei de Havana - escrito por Pedro Juan Gutiérrez
Companhia das Letras
224 páginas
Cuba/1998

Sobre o escritor

O escritor cubano Pedro Juan Guitérrez nasceu em Matanzas em 1950. Já vendeu sorvete, já vendeu jornal. Trabalhou de cortador de cana-de-açucar, de técnico em construção, de desenhista técnico, de instrutor de caiaque e natação e foi jornalista durante 26 anos. Ufa... Atualmente é pintor, escultor e escritor. Escreveu "Trilogia suja de Havana" (1998) considerado seu melhor livro, "Animal tropical" (2000), "O insaciável homem-aranha" (2002), "Carne de cão" (2003), "Nosso GG em Havana" (2004) e o último de 2005, "O ninho da serpente: Memórias do filho do sorveteiro".

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