segunda-feira, outubro 30, 2006

O ano em que meus pais saíram de férias

1970. O Brasil sofria o auge do regime militar sob o governo do general Emilio Garrastazu Médici. Em junho, mesmo com a situação política conturbada pela qual o país passava, a seleção de Pelé, Tostão e Rivellino, conquistou o tricampeonato do mundo de futebol no México. Foi também neste mesmo ano que os pais do garoto Mauro saíram de férias. Pelo menos é esse o pontapé inicial do filme “O ano em que meus pais saíram de férias”, segundo longa do diretor Cao Hamburger, cuja estréia acontece dia 02 de novembro.
Mauro, interpretado pelo ator-mirim Michel Joelsas, é filho de dois militantes que são obrigados a se exilar devido à repressão da ditadura. Mauro é então levado de Belo Horizonte para São Paulo para viver com o avô (Paulo Autran), um judeu morador do bairro do Bom Retiro. (Para aqueles que desconhecem, o bairro é famoso por ter abrigado imigrantes, tanto brasileiros, nordestinos vindos para o sudeste em meados da década de 60, quanto estrangeiros, destacando-se nesse último judeus e italianos).

O menino, porém, é obrigado a viver com
Shlomo (interpretado pelo ator amador pernambucano Germano Haiut), também judeu e vizinho de seu avô que morrera no mesmo dia em que o menino chegou a São Paulo. O homem passa a adquirir importância significativa na vida do garoto.
É então neste mesmo momento, em meio a toda aquela tensão causada pela ditadura e as expectativas dos brasileiros com a copa do mundo no México que se desenvolve a história.
Embora consiga restituir o cenário da época e construir um clima de tensão muito melhor que muitas produções que abordam o tema, a intenção do filme não é a de narrar os acontecimentos referentes ao período histórico cujos resquícios ainda se encontram presentes. Tanto a ditadura quanto a conquista do tri funcionam apenas como pano de fundo para o filme; um contexto histórico que cria relações com aquilo que de fato se deseja mostrar. “O ano em que meus pais saíram de férias” gira em torno do menino Mauro e das situações que ele é obrigado a enfrentar.
É uma história que almeja e consegue de modo simples, porém excepcional, representar o momento de transição de um garoto que aos poucos deixa de ser criança para iniciar o momento de preparação para a adolescência. Aquela fase intermediária, conflituosa na qual aquilo que foi já não é mais.
A maneira encontrada para isso foi colocar Mauro em um universo estranho a ele, obrigando-o a conviver com pessoas e realidades diferentes da sua. Para ilustrar esse momento na vida do garoto, Cao recorreu a métafora do goleiro. Assim como o jogador está fadado a uma condição solitária durante uma partida de futebol, Mauro também está sozinho em um ambiente diferente daquele a qual era acostumado em Minas. Vale lembrar que o sonho do menino, incentivado pelo pai, era de se tornar goleiro.
A escolha do ano de 1970 se justifica de forma cabível como cenário ilustrativo do filme. Assim, como o país enfrentava um clima de tensão, devido à pressão provocada pela ditadura misturada a expectativa da copa do mundo, o menino Mauro também passava por um momento de instabilidade. A passagem da infância para a adolescência, marcada tanto pelas dúvidas pelas quais uma criança naturalmente é obrigada a passar, como pela inconstância das situações que o garoto foi obrigado a enfrentar. A ansiedade gerada pela promessa feita pelos pais de retornarem no início da copa e os momentos de felicidade proporcionados pela copa do mundo e pela descoberta de novos amigos, do amor, da solidariedade e até mesmo da sexualidade. E o êxito é alcançado graças à forma que Cao utilizou para transmitir ao espectador o momento de transição. Os diálogos são escassos sim, mas nada que transforme o filme em algo monótono. Os gestos substituem a fala de uma maneira muito melhor, retornando aquele velho, porém verdadeiro clichê, de que um ato vale mais do que mil palavras.

O final previsível não retira nenhum dos méritos alcançados durante o desenvolvimento do filme. Apesar de triste, mostra que Mauro venceu toda aquela inconstância própria da vida de qualquer criança e potencializada pelas situações a que foi obrigado a enfrentar. Agora ele está pronto para viver... e voltar.
“O ano em que meus pais saíram de férias”, representa a transição na carreira do diretor Cao Hamburger, uma vez que ele deixa de dirigir para as crianças (para quem não se lembra ele dirigiu tanto a série como o filme “Castelo Rá-Tim-Bum") e passa a fazer filmes para adultos”. E isso, ele mesmo afirmou na palestra de quinta-feira na Puc Minas.

O ano em que meus pais saíram de casa - Dirigido por Cao Hamburger
Com Michel Joelsas,
Germano Haiut, Daniela Piepszyk, Caio Blat, Simone Spoladore
Duração 110 min
Brasil/2006
O filme
ganhou o Troféu Redentor de Melhor Filme - Júri Popular, no Festival do Rio.


Um comentário:

Anônimo disse...

Inveja daqueles que ganham convite para ir ao cinema...quem sabe um dia q isso for parte da sua rotina e vc lembrar de convidar aquela menina q vc mal mal lembra o nome e conheceu na faculdade há uns anos atras...hehehe.
Bjos Ju
(adorei sua resenha)

 
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