sábado, fevereiro 28, 2009

A crítica da crítica. Parte III

Eu prometo que esse é o último comentário que faço sobre o comportamento da crítica cinematográfica brasileira em relação ao ganhador do Oscar Quem quer ser um milionário (que teve estréia de verdade esse final de semana nos cinemas do país).
Mas é que hoje me deparei com uma crítica, ao que me parece, muito mais sensata em relação ao filme do diretor britânico Danny Boyle.

O caderno Ilustrada, do jornal Folha de S. Paulo, trouxe hoje uma reportagem especial sobre o filme em questão. Na verdade, um contraponto a opinião do crítico do jornal, Inácio Araújo. Com o título "Milionário não é péssimo; é filme bom no contexto errado", a análise defende que o filme é bom, mas que foi prejudicado por se encaixar perfeitamente no espírito da nova ordem mundial, inspirada principalmente na era Obama, no qual os países ricos começam a olhar para aqueles mais pobres. Segundo a reportagem, "é aí a coisa desanda. "Milionário" não deveria se prestar a isso. Tinha de passar longe de Hollywood".

Abaixo o texto na íntegra retirado da página do jornal na internet, que também reflete o que penso em relação a Slumdog Millionaire:

(Reportagem local)

"Danny Boyle não inventou a roda com "Quem Quer Ser um Milionário?". Não inventou nem sequer um estilo. O filme vencedor de oito Oscars encaixa-se de modo coerente na obra deste imaginativo cineasta britânico, com produções de linguagem e montagem pop.
Seu universo lembra o do cartum, descaradamente inverossímil, em que temas pesados ou escatológicos (dos drogados de "Trainspotting" aos miseráveis de "Milionário") são amenizados ao transitar num universo desde logo apresentado como absurdo. Ou alguém acredita que um menino encharcado de merda possa conseguir o autógrafo de uma celebridade?
Soma-se às suas escolhas o fato de nunca ter se intimidado com orçamentos relativamente baixos. Enveredou por tramas de ficção científica, caso de "Sunshine" (2007) e "Extermínio" (2002), sem ter como investir em efeitos especiais. Compensou com diálogos criativos e soluções engenhosas.
Agora vemos um duplo fenômeno. De um lado, "Milionário" arrebatou a Academia como se o estilo boyliano fosse inédito e comercial. Não é. Tudo o que Boyle mostra está em seus outros filmes. Sendo que, em qualidade, todos transitam do mediano ao bom, e nenhum se saiu espetacular. De outro lado, a premiação gerou enorme resposta negativa. As críticas à produção vão desde considerá-la um retrato "fake" da Índia até julgá-la apelativa por mostrar a "doçura" da miséria.
De fato, o resultado é "fake", mas a verossimilhança não é obrigatória no cinema. Há que se ver o protagonista como um anti-herói de HQ, não um verdadeiro favelado de Mumbai. Sobre o segundo ponto, a discussão já cansou. Sim, "explorar" a pobreza pode ser um modo de fazer marketing com a penúria alheia. Mas não consta que Boyle tenha feito o filme para levar o Nobel da Paz.
Já ouvi falarem que, com os troféus a "Milionário", "Cidade de Deus" enfim ganhou o Oscar. Não procede. Boyle fez um filme ao seu modo, engraçadinho, edificante. Fernando Meirelles quis criar debate social. Um brincou com o que viu; o outro levou demasiado a sério.
Discordo da crítica de Inácio Araujo na Ilustrada de 20/2. "Milionário" não é péssimo. É um filme de Boyle: alternativo, pop, que faz piada com temas duros tornando-os caricaturas. O que o Oscar fez foi tirar a obra do lugar. A saga do garoto simples que vence o show de perguntas e respostas encaixou-se no espírito da era Obama e no novo olhar de países ricos ao pobres. E aí a coisa desanda. "Milionário" não deveria se prestar a isso. Tinha de passar longe de Hollywood.
O Oscar não combina com esse diretor nerd e charmoso como não combinou com Tarantino quando ele o levou por "Pulp Fiction". E por isso decepcionou quem esperava a vitória do cinemão, de épicos babões como o chatérrimo "O Curioso Caso de Benjamin Button". Não se deve julgar "Milionário" muito além do que é: um bom filme, que foi parar no contexto errado".

Falou e disse!

Para aqueles que têm acesso a Folha ou Uol, vale a pena dar uma lida na crítica de Sérgio Rizzo sobre o livro Sua resposta vale um milhão, de Vikas Swarup, que inspirou o Melhor Filme, segundo a "Academia".

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Em tempo: A atriz Freida Pinto, protagonista de Quem quer ser um milionário? vai estrelar o novo filme de Woody Allen. O filme, que ainda não tem nome, vai trazer uma misturada de atores. Estão confirmados a atriz Naomi Watts, o gaulês Anthony Hopinks, Josh Brolin e o espanho Antonio Banderas.
O filme será produzido pela Mediapro, mesmo grupo que produziu Vicky Cristina Barcelona, e vai ser rodado em Londres.
Eu só espero que o filme passe bem longe de um propaganda turística do lugar onde vai se passar a história da mesma forma que o antecessor, Vicky Cristina Barcelona.

2 comentários:

Lara Spagnol disse...

boa referência, Ju. concordo com vcs dois, a verossimilhança não é ponto de partida de um filme, e nem deve ser. (a coerência interna sim, né. =p)
além do que, pegar um filme pop como slumdog e querer transformá-lo em retrato da política atual é no mínimo falta de senso de humor...


to com saudade! =*

Ju Semedo disse...

Legal demais esse comentário seu, Lara!

E só faltou acrescentar uma coisa, que aproveito o seu comentário para falar. Muita gente achou agressivo o título original do filme (slumdog millionaire), mas acho que eles levaram muito ao pé da letra, entendendo tal "substantivo" (slumdog) como uma ofensa, o que acho que é justamente o oposto, uma ironia.

 
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