quarta-feira, abril 29, 2009

Manifesto Domingos de Oliveira

O cineasta Domingos de Oliveira entrou no debate da controversa Lei Roaunet e resolveu encarar o dilema, que talvez nem tenha solução: que deve bancar um filme, e o mais importante, a quem cabe escolher aqueles que serão bancados? Seriam os departamentos de marketing ou o próprio governo? Faço minha a indagação de Leo Cunha, do Filmes Polvo, "qual seria pior"?

Domingos de Oliveira e eu reproduzo aqui, na íntegra, a:

CARTA ABERTA AOS ARTISTAS DE VERDADE OU OS OPERÁRIOS DA CATEDRAL

Se você tem certeza que é um artista de verdade, que sua razão de ser é a Arte, que sem a Arte você morreria, leia isso: É um chamado, uma convocação. Pouca gente sabe o que é a Arte. E, no poder, quase ninguém. Por isso acontecem absurdos como essa badaladíssima discussão. Juca Ferreira versus Lei Rouanet. E a coisa da OS (Organizações Sociais). São movimentos atuais que em resumo consistem em entregar o dinheiro disponível para a Cultura, através de várias Leis e processos, para o Governo. Aumentar o Poder do Governo, confiando em seus critérios para julgar. De que modo deve ser usado o dinheiro público (isenção de impostos ou outras coisas). É claro que os destinos do cinema e teatro brasileiros não devem continuar sendo regidos por diretores de departamentos de marketing (embora eles tenham se comportado, até hoje, razoavelmente bem). Como este ponto é indubitável, J Ferreira ganha sempre as discussões, posto que está com a razão. O dinheiro público deve ter a tutela do governo, para que possa ser aplicado no bem comum. E nesse tipo de teoria, perdemo-nos todos em reuniões infindavelmente monótonas e vazias de conteúdo. Claro que o dinheiro da Arte e da Cultura deve ser comandado pelo Governo. A propósito, deve ser dito que já é. Posto que os maiores patrocinadores são estatais (Petrobrás e outras). Não é importante saber se o dinheiro fica com o Juca Ferreira ou com a Petrobrás. O importante é saber o que eles vão fazer com isso. E eis que chega a pergunta que ninguém faz, por falta de coragem:

- Que tipo de filme ou peça o ministro JF acha que deve ser produzido? Quem vai levar o dinheiro? É isso que interessa. O ministro imediatamente argumentará que essa decisão não é dele, e sim das comissões que constituirá. Será uma inverdade quando ele disser isso. Perigosa inverdade. As comissões são controladas por quem as nomeia. Sendo sempre altamente manipuláveis. De modo que é preciso saber qual é o gosto pessoal do Juca. Que concepção ele tem da Arte e da Cultura. Observemos que começa aqui a fatal confusão. A Arte faz parte da Cultura, mas não é a Cultura. É maior e mais importante que a Cultura, ou pelo menos pertence a outro departamento. Cultura é Educação. É uma coisa que se preocupa, que aprende, que bebe na fonte do passado. A Arte é a locomotiva da Cultura. É o arauto que anuncia o futuro. A Arte diz respeito àquilo que não existia ainda, e está sendo criado. A Arte defende a humanidade.

Quando escrevo essas palavras estranhas, pressinto a incompreensão. São transcendentes, confesso. A Arte é transcendente. É a mais forte arma de comunicação, recurso didático para tornar os homens civilizados. A Arte ensina aos homens seus maiores valores. O amor, a dignidade, a honra, o patriotismo, a cidadania, a solidariedade. Por causa deste nobre alcance, a Arte jamais é citada em debates públicos. A massa burguesa da maioria encarregou-se nos últimos séculos a desmoralizar a palavra Arte. Segundo estes tolos, a Arte é uma coisa desnecessária, fútil, em geral exercida por gente que não gosta de trabalhar. Quando, na verdade, a Arte é o único trabalho verdadeiro. Se você não entende essas palavras ou se elas irritam, pare de ler esse artigo já. Ele não é pra você. Você pode ser um bom sujeito e até um pensador lúcido, mas não é um artista.

Juca Ferreira é um homem forte. De um carisma notável, eloqüência, e, por que não dizê-lo, simpatia irresistível. É preciso saber de um homem desses o que ele entende por Arte.

Repito. Que filmes e peças deveriam ser feitos com o dinheiro público, segundo a opinião pessoal dele?

Para exigir a resposta dessa pergunta, convoco meus pares, os artistas, a repercutir esse artigo. Faz anos que preconizo a existência de um Ministério da Arte. Todos tem medo de mim e preferem me achar ridículo, pensar que estou brincando. Não estou. Penso que a Arte é o que sustenta a Cultura, o que a leva para frente. Não existiria o cinema e o teatro brasileiro sem Glauber Rocha e Nelson Rodrigues. É o artista que tem que ser protegido pelos governos.

Não pensem que puxo a sardinha. Os bons artistas, como eu e muitos, sobreviverão de qualquer jeito. Com Ministério ou sem, não importa as reuniões de Juca Ferreira.

É a Arte que vai abrir os mercados internacionais. É a Arte que nos dará o respeito do público. A Arte é o retrato do país. Um país pobre como o nosso não pode gastar dinheiro público com filmes e peças ruins. Somente devem ser feitos peças e filmes bons! E quem vai decidir o que é bom ou ruim, pergunta o leigo incauto. Ele responde: Isto não pode ser posto em Lei, é subjetivo. Engano fatal. O único que pode julgar a arte é o artista. E não é difícil reconhecer um artista, a primeira vista. É aquele que ama realmente a humanidade e constrói uma obra sobre esse amor.

Atualmente, a palavra “diversidade” sacralizou-se. Quem duvidar disso, morre. Concordo com a diversidade. Mas ela está abaixo do critério da Arte.

Todas as comissões propostas são mistas: minoria dos artistas, maioria de burocratas ou técnicos interessados no assunto ou no prestígio. Isto está errado. Os verdadeiros artistas devem ter a maioria de qualquer comissão, porque somente eles entendem o que é a Arte. É pretensão de outros querer julgar a atividade artística.

Enfim, as palavras cansam.

Sei que somente serei entendido pelos artistas de verdade. Para eles que escrevo e peço que não me deixem sozinho e repercutam, a seu modo, esse meu artigo. Tenho certeza que vocês concordarão, sendo artistas verdadeiros.

Na prática, confesso que sou a favor do Juca e das OSs. Um homem deve lutar pela Lei correta. E depois lutar, mais agressivamente ainda, contra aqueles que aplicam mal a Lei. Essa é uma briga que vem depois. Apesar de que eu, artista, não tenho tempo pra isso. Minha obra me espera. Tenho pouco tempo. A eternidade seria pouco…

Somente a Arte salva, sem a Arte não há salvação.

“Oh, minha alma! Não aspira a vida imortal, porém esgota o campo do possível” (Píndaro)

Por favor, repercutam, companheiros.

Com todo respeito ao ministro, e até confiança,

Domingos Oliveira.


5 comentários:

tici disse...

claro que a discussão sobre que projetos apoiar é ultra necessária. É uma escolha subjetiva sim, difícil definir critérios que a façam indiscutível. Não acho isso nem remotamente possível. Mas acho que deve entrar em pauta a questão da divulgação da produção cinematográfica. São tantos os filmes feitos com dinheiro público e que não chegam nem mesmo ao alcance de um público interessado. Boa parte da produção é vista por míseros espectadores. A preocupação com distribuição e divulgação tem que entrar como condição essencial da subvenção do projeto. Bom, não sei se me fiz entender, mas é por aí o meu raciocínio.
Beijo!

Ju Semedo disse...

Deu para entender sim! E concordo com você. A maioria dessas produções fica restrita ao mesmo grupinho de sempre. É aquela mesma história na época em que os cineclubes estava no auge, lá pelos anos 60 e 70. Só um grupo - bastante restrito pro sinal - q tinha acesso e estava disposto a discutir cultura, arte e política.
Hoje a história se repete. É um público bastante limitado q parecer "ter acesso" a esse tipo de cultura. A maioria ainda é mais ligada as grandes produções, aquelas q têm um maior espaço na publicidade e na própria imprensa.
Mas quem é o culpado dessa situação?
A imprensa e a publicidade q não se interessam em divulgar tais produções pois elas nao se transformam em lucro, o próprio público q tbm n tem interesse(tanto pelas "obras" produzidas e até mesmo em questionar oq feito c o dinheiro público ) ou dos produtores, q muitas vezes se isolam do gde público tbm?

Enfim, não sei. Acho que é todo mundo no final das contas.

Outra discussão bacana tbm é a do Vale-cultura, q é uma ideia bem bacana, mas q ainda precisa ser muito discutida. Será q quem mais uma vez vai ter + espaço são as grades produções?

Enfim, tem muita coisa a ser levada em conta ainda.

Acho que falei demais!

Pedro Malanski disse...

De 1982 a 1995 representei a SBAT - Sociedade Bras de Autores Teatrais no Paraná e Santa Catarina. Vi muita coisa louca. Uma: Um grupo de teatro pega verba para fazer uma peça de autor respeitado e cultural (Boal, Brecht, por aí). Monta e apresenta um fim de semana, só para fazer jus, enquanto sai pelo interior com uma coisa bem comercial, barata e vendável que jamais conseguiria patrocínio oficial ou não faz nada e embolsa a grana. São batalhadores ou malandros, arrumando uma grana na atividade que escolheram. Vi outras, de diretores bem relacionados no mundo político que sempre eram privilegiados. Alguns, eram realmente corretos. Ou seja, havia de tudo e tinha espaço para todos. Minha conclusão é que o Poder devia usar o poder para promover a cultura, mas apenas usa cultura para se promover.

Pedro Malanski disse...

Agoara me desculpe, mas não acredito numa palavra do Domingos, esse tom de ideologia (vide ideal corrompido), é gritante. Quando um deles grita, é para obter uma parte no butim.

Ju Semedo disse...

Esse lance de usar a cultura pra se promover não é só estratégia do governo, não. Hoje, (pelos menos antes de crise), mas a maioria das empresas "adoram" patrocinar atividades culturais e sociais cm forma de minimizar os vários problemas socias e ambientais causadas pela atividade dela.

Dois exemplos, um próximo a mim, aqui em Belo Horizonte. Enquanto a MBR destrói toda a Seraa do Curral e Seraa da Rola Moça com a atividade mineradora, ela vai lá e adota a Praça da Liberdade.

Outro exemplo é o da Petrobrás que patrocina qse todo o cinema nacional e váris atividades sociais só pra amenizar a péssima imagem que ela tem frente a comunidade ambiental. E todo mundo fica feliz.

Sinceramente, eu não sei se isso é bom ou ruim

 
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